Discurso proferido pela diretora financeira do IHGRN, Maria Elza Bezerra Cirne, em 29 de março de 2022, na solenidade de comemoração dos 120 anos do IHGRN e posse da nova Diretoria (triênio 2022-2025).
Foto: Sylvia Serejo
“O homem é um átomo insignificante no conjunto dos mundos infinitos; a vida - um mero acidente sem importância, em si mesma considerada. Só a ideia, que germina misteriosamente no cérebro privilegiado do gênio, e cresce, enflora e frutifica, afinal, como força expansiva e criadora - perdura sempre. Só ela faz, do átomo insignificante – um ser imortal, e, da vida do homem, simples no nada - uma coisa verdadeiramente preciosa, de valor inestimável, constante e perene no tempo e no espaço; sem embargo da fereza atroz e da brutalidade da morte, que, então, é realmente vencida na sua efêmera vitória”.
Trecho do discurso do Desembargador Francisco de Salles Meira e Sá, em homenagem a Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, por ocasião de sua morte, em 12 de maio de 1902, logo após o dirigível Pax levantar voo no céu de Paris e explodir violentamente, vitimando o norte-rio-grandense ilustre e seu mecânico, George Sachet.
Francisco de Salles Meira e Sá, paraibano de nascimento, órfão de mãe, veio residir no Rio Grande do Norte em razão do seu pai, Dr. Olyntho José Meira, exercer o cargo de presidente da Província. Abolicionista e republicano, Meira e Sá formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Recife, foi Promotor, Juiz de Direito, Chefe de Polícia, Desembargador e Presidente do Tribunal de Justiça, Juiz Federal, Deputado Estadual, Vice-Governador e Senador pelo Rio Grande do Norte.
Além de sua carreira jurídica e política, Meira e Sá teve profunda preocupação com a educação. Foi fundador e diretor do Colégio São Francisco de Sales, em Ceará Mirim, presidiu o Popular Instituto Literário de Ceará-Mirim, o Instituto de Proteção à Infância de Natal e a Liga de Ensino, criadora e mantenedora da Escola Doméstica de Natal. Por fim (ufa!), foi Membro fundador e orador deste Instituto.
Gostaria muito de tê-lo conhecido, ele foi meu trisavô materno. Com muito orgulho, hoje ocupo a sua cadeira nesta Instituição e tenho a honra de assumir o encargo de oradora desta solenidade, para saudar os novos sócios e parabenizar a diretoria ora empossada.
O Desembargador Meira e Sá e mais 25 cidadãos - todos homens - reuniram-se em Natal, no dia 29 de março de 1902, para fundar o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Uma ideia que germinou, cresceu, enflorou e frutificou como a mais antiga instituição cultural do nosso estado.
Ao tentar responder o que é o tempo, Santo Agostinho declarou que se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente, pois é no presente que narramos os acontecimentos relatados na memória e impulsionamos o futuro.
29 de março de 2022. Estamos aqui reunidos para celebrar os 120 anos da Casa da Memória. Graças a ela, podemos resgatar os importantes personagens e fatos que construíram a nossa existência, alçando-os à imortalidade.
Através da figura do meu trisavô, quero lembrar todos aqueles que, em algum momento, contribuíram para a construção de nossa história e geografia.
O Rio Grande do Norte, este pequeno estado do imenso Brasil, é um gigante em pioneirismo. Em 1885, antes mesmo de a Princesa Isabel sancionar a Lei Áurea, o Barão de Serra Branca libertou os seus escravos e a Baronesa, D. Belisária, os serviu pessoalmente no banquete para comemorar o feito; Augusto Severo foi precursor da aviação; em 1927, o voto feminino foi aprovado em nosso estado - uma atitude de vanguarda no Brasil e na América do Sul; em 1928, a praia de Touros recebeu os aviadores Carlo Del Prete e Arturo Ferrain, na primeira travessia aérea, sem escala, entre a Europa e o Brasil.
Ao longo do tempo, várias mulheres se destacaram: Clara Camarão, Nísia Floresta, Belisária Lins Wanderley (Baronesa de Serra Branca), Isabel Gondim (primeira mulher a fazer parte do IHGRN), Amélia Duarte Machado, Palmyra Wanderley, Alzira Soriano, Maria do Céu Fernandes, Zila Mamede e tantas outras, conhecidas e anônimas, que enfrentaram com coragem a quebra de paradigmas.
E hoje fazemos história! Além de parabenizar os novos sócios e a diretoria, celebramos Joventina Simões Oliveira como a primeira mulher a assumir a presidência do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Somente 120 anos após a sua fundação, uma mulher assume a presidência. Em pleno século XXI, não temos mais espaço para desigualdades entre homens e mulheres.
Hoje, mais do que nunca, confreiras e confrades precisam trabalhar em união, germinar ideias, construir parcerias com a sociedade, ser protagonistas da história e não meros narradores de episódios passados.
No presente, homens e mulheres devem cumprir, em igualdade de condições, o papel de impulsionar o futuro e transformar o átomo insignificante em vida verdadeiramente preciosa, de valor inestimável, constante e perene no tempo e no espaço.