segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Todo menino nasce com asas

 
    Pouco se comenta, mas o livro “Menino de Asas” foi uma das obras mais lida pela juventude, tendo seu apogeu entre 1977 e 1997, muito bem aproveitado pela editora Ática, dentro da coleção Vaga-Lume. Muito bem escrito por Homero Homem, a narrativa tem um pouco de romance, ação e aventura, um texto completo, que ganhou o Prêmio Nacional de Literatura do MEC-INL, em 1975, mas que já havia sido publicado originalmente em 1971. 
     O livro trata de uma extraordinária história de um garoto, filho de agricultores, nascido com asas. Indo estudar, o garoto causa grande desconforto às famílias que não o querem frequentando a escola daquela pequena cidade por vê-lo como uma grande aberração. Constrangido com a situação, o professor negocia com a família para que o garoto não volte à escola, mas se compromete em dar-lhe aulas particulares, em casa. 
     Indo morar na cidade grande, buscando por trabalho, acaba encontrando o mesmo preconceito de sempre. Para uns era um anjo, para outros era um monstro alado. Escondendo as asas sem sucesso, vai encontrar amizade sincera apenas com os meninos de rua, os únicos que estendem a mão para ampará-lo em seu pior momento.
    No meio das desilusões da vida, encontra sua paixão verdadeira, Ruth, a filha do cirurgião que estudava sua anatomia e iria amputar as asas para que pudesse ter uma vida normal. Assim ele poderia ser igual aos outros garotos de sua idade, sem ser visto como uma aberração. 
    “Menino de Asas” é um livro “multitemático” que, muito embora trate visivelmente do preconceito ao diferente, à deficiência e à aceitação si próprio, subliminarmente é uma narrativa sobre os dilemas e paradoxos da sociedade. Durante toda a história, o menino não tem nome e isso não incomoda. O incômodo era que ela sabia e podia voar, como se isso fosse um sinal de liberdade dentro da vida limitada de quem os cercava.
    Se ele tivesse nascido apenas sem braços seria acolhido pela piedade alheia, teria sido levado à escola e ajudado por todos, seria inofensivo dentro do seu círculo social. Mas suas asas mostravam uma qualidade superior que incomodava à mentalidade mediana, pois a maior dificuldade humana é aceitar o sucesso alheio. Nos apiedamos do sofrimento, nunca do êxito e das vitórias dos outros.
Por último, o “Menino de Asas” foi o próprio autor. Homero Homem foi esse garoto que sabia voar, que via o mundo com outros olhos e foi capaz de escrever tão bela história, pois não se poupava em voar alto enquanto a sociedade queria lhe segurar ao chão e limitar seus horizontes.
    Quantos meninos são amputados pelas escolas, pelos professores, pela família, pela sociedade, pela religião (não pela fé), crescem presos ao chão sem nunca experimentarem o sabor da imensidão que um olhar pode oferecer e nunca ousam nem levantam um olhar ao céu. Meninos que esqueceram seus sonhos na mais rasa e provinciana mentalidade.
    Salve Homero Homem que alçou seus voos na literatura ousando “usar a imaginação para escrever”. Se entregando à profissão descriminalizada e sem méritos. Faço votos para que deixemos as asas dos meninos brotarem naturalmente, sem medo, e sejam exibidas para os outros para que voem na utopia de uma sociedade melhor, mais justa, sem preconceitos.

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    Este artigo é parte de uma série de textos voltados à divulgação do acervo do IHGRN e da história do Rio Grande do Norte, veiculada aos domingos no espaço cativo do Instituto na coluna Quadrantes do jornal Tribuna do Norte.

Artigo: Francisco Galvão
Imagem: Maria Simões