sábado, 17 de junho de 2023

IHGRN entrevista o jornalista Ciro Pedroza

 

IHGRN: O que significa, para você, ser sócio de uma instituição como o IHGRN?
Ciro Pedroza: Quando eu era menino, achava que para ser sócio do Instituto Histórico e Geográfico era só para quem já era uma figura vetusta, já possuía cabelos brancos, já não tinha cabelos, já tinha vivido, possuindo filhos e netos. Quando fui indicado pela professora Diva para ser sócio, eu disse: “eu virei velho, eu virei aqueles senhores que frequentavam o Instituto Histórico”, mas descobri que podia ser do Instituto sem ter uma idade avançada, já que a história hoje está viva. Acho que essa abertura que o Instituto tem feito para sócios jovens, comparado com os tradicionais, acho que é um avanço muito grande, um mérito que o Instituto tem de abrir-se até para contar história dos tempos próximos, porque a gente tá sempre ocupado para contar sobre o tempo passado; há um vazio dos anos 1970 para cá que a gente não conta a história, porque a gente achou que era só viver. E que vai e precisa ser contada pelos jovens pesquisadores. Então acho que essa abertura do Instituto reflete nessa mudança de paradigma, não que a história antiga não seja importante, mas a história contemporânea também é importante para que possamos entender o que está acontecendo, porque vivemos em um tempo de muita velocidade, as coisas têm mudado de forma muito rápida e o que está acontecendo é consequência do passado. Ser sócio de uma instituição de uma importância que ela tem para a cultura do Rio Grande do Norte, quando disse lá em casa que iria ser, o povo nem acreditou.

IHGRN: O que você considera importante e representativo numa obra como o Memória Viva, tanto os livros quanto o programa?
Ciro Pedroza: Eu sou um jornalista que foi formado assistindo televisão, a história da TV Universitária é a minha história, eu cresci assistindo a TVU. Eu era uma exceção no meu grupo de meninos, porque eu assistia toda TV, mas gostava muito da TVU, os meninos não assistiam a TV Universitária, porque eu sempre tive na minha cabeça que eu precisava de conhecimento. Na TVU tinha aulas, eu assistia essas aulas, que eram diferentes, eram aulas lúdicas. Você já imaginou o que é, há 50 anos, você fazer aula em vídeo? Era o que se fazia, em 1972, quando a TV Universitária foi feita, com interatividade, personagens, contando histórias. Como que você ensina teoria dos conjuntos? Eu aprendi na TVU, por causa do que mostrava, que é difícil você fazer isso em sala de aula, já que essa matéria é abstrata, algo que só a TV pode mostrar. Estar nesse momento na TV universitária fazendo esse programa também é um sonho da minha vida, o segundo que realizo na TVU, o primeiro foi ser repórter esportivo da equipe de José Ary, o narrador mais importante da televisão potiguar. O outro sonho era ser apresentador do programa Memória Viva, porque eu adorava aquelas histórias daquele povo explicando. Quando pequeno, às vezes queria fazer uma pergunta para aquilo. Chega uma hora que eu não poderia ser repórter jovem do Memória Viva, eu só posso ser agora, chega um momento de maturidade da minha vida, da minha carreira, em que tudo se encontra, até esse convite de apresentar o Memória Viva que é um programa que não é só da memória individual, mas sim da memória coletiva, porque os personagens que são entrevistados, viveram um tempo e é esse tempo que precisamos compreender. Não apenas a história pessoal dele, mas também as circunstâncias que ele viveu. Hoje estamos vivendo o presente contínuo e o futuro incerto, porque o futuro já chegou, antes dizíamos “No ano 2000 vai acontecer isso”. Agora não temos mais ano 3000, ano 2030. Temos modo perpétuo do tempo presente, não temos mais futuro, o futuro chegou. “Ah, mas não estamos vivendo o tempo dos Jetson que sai voando”, mas apontamos um botão e sai gelo da geladeira, assa uma comida, tem coisas que nem sei explicar, como o microondas esquenta uma comida, mas existe.

IHGRN: Quais são suas expectativas como novo apresentador do programa Memória Viva?
Ciro Pedroza: Que eu possa ajudar as pessoas a compreenderem esse tempo presente, porque tem muita gente que está nessa faixa das 6/7 décadas que fez essa história recente e que ninguém sabe que elas existem. Pessoas que você passa por elas nas ruas e você não sabe quem é. Então, tenho percebido a pressa com que a memória tem se diluído, e tem personagens de 10, 5, 7 anos que fizeram coisas importantíssimas e que nem sabemos. Com base nisso, conversei com o pessoal da TV e propus dois caminhos: que se a gente tivesse oportunidade, contaremos histórias antigas de personagens importantes, que fizeram coisas muito importantes, já que as coisas importantes que temos hoje foram feitas nos últimos 30/40 anos. A outra era de trabalhar em uma lógica que não fosse uma “eustória”, que fosse uma história de um tempo, conseguimos a partir do personagem, compreender o tempo, o momento histórico, como era a cidade, a cultura, o que acontecia. O nosso maior desafio nessa nova temporada do Memória Viva é trabalhar com gente que consiga nos levar para 30/40 anos daqui, pra gente compreender e encontrar personagens que foram importantes em noticiários e na vida. Muitas vezes você nem sabe quem são, nem a pessoa da família sabe, às vezes nem eles mesmos lembram que fez aquilo. Então meu desafio lá é flagrar esses nossos heróis - que nem sabem que são heróis - que possuem histórias da memória recente para colocar um pouco das coisas em seu devido lugar. Entender o que a gente tem hoje foi obra do que aconteceu. Se hoje a gente tem muitos avanços tecnológicos de costumes e cultura, é porque alguém lá atrás ousou escrever um caminho novo. Outro recurso também é usar a tecnologia, porque hoje está difícil tirar alguém de 70/80 anos de casa. Avalie tirar 3, que era o formato do programa. Você colocar hoje um convidado e dois indicados por ele, amigos de infância, você vai juntar pelo menos 350 anos dentro de um estúdio. Quando a gente vai fazer um projeto novo, temos que olhar a memória inteira do outro, para não propor a invenção da roda. Alguém já inventou a roda, e fez daquele material porque havia um terreno próprio para ele. Temos que ver o terreno atual para fazer as modificações, mas não vamos inventar a roda de novo. Muitas vezes, na conversa, o entrevistado ia numa linha que iria fazer uma revelação que vai mudar a história, mas acaba se perdendo em assuntos não tão importantes, aí quando vai voltar, já se desarmou, armou de novo e não vai mais contar. Esse programa novo vai ser muito mais de intimidade e não perder de vista o entretenimento, porque a televisão é entretenimento. É história, mas é história sobre a ótica do entretenimento. E por último, é que não daremos prioridade para quem é chapa branca, ou seja historicamente o programa deu prioridade às autoridades, a gente vai dar prioridade ao povo. Então são esses personagens que a nova fase do programa vai buscar, esse é o desafio. E olhe que quando eu cismo, eu cismo.   

IHGRN: Em meio a tantos projetos, o senhor tem algum que envolva o Instituto Histórico?
Ciro Pedroza: Eu passei minha vida inteira olhando para frente, porque eu achava que eu sempre tinha que sobreviver, ter que sustentar minha família com minha escolha profissional, que é uma profissão que não dá dinheiro, que é jornalismo, comunicação. Então sempre estive dedicado aos projetos da frente. Eu parava e olhava para trás e pensava que já tinha feito tanta coisa, mas voltava e continuava a produzir. Em relação ao Instituto Histórico, eu tenho nos próximos meses a intenção de contribuir para tirar dos meus arquivos um projeto de pesquisa histórica recente, de gente que anda até por aqui. Eu quero cada vez mais contar histórias e fazer trabalho de fôlego. Porque o jornalismo é muito imediatista, um jornalista usando uma metáfora é muito pastel com caldo de cana. E eu quero fazer coisas que demorem mais tempo, então meu projeto de vida é se dedicar a coisas mais refletidas, mais decantadas. Por isso chegar ao Instituto nesse momento, é importante para minha vida, porque estou começando a viver um momento de serenidade, isso não quer dizer que irei deixar de ser agitado. Mas acho que o Instituto Histórico, nesse momento, também está se abrindo para contar histórias mais recentes.

IHGRN: Como surgiu a ideia de reeditar livros que fizeram sucesso?
Ciro Pedroza: Eu passei minha vida inteira apaixonado por livros, embora no jornalismo nunca tenha trabalhado com jornalismo impresso. Eu sempre trabalhei com jornalismo eletrônico, com rádio ou com jornal. Eu participei de um movimento chamado “geração mimeógrafo", sempre trabalhei com a ideia de editar, me interessou o processo gráfico como era. Acho que é um pouco do DNA do meu avô, eu não conheci, mas ele e seu irmão eram gráficos e a família do tio do meu pai trabalha com gráficas até hoje. Eles imprimiram em 1935 o jornal “A Liberdade”, eu só vim descobrir depois, porque essa é uma história secreta em minha casa, ninguém falava porque a política e o comunismo levaram o meu avô, na lógica das pessoas da minha casa. Essa é uma história que eu também estou trabalhando para contar, na condição de vítima indireta. A ideia de editar livros é o seguinte, eu já tinha trabalhado em editar livros com o pessoal da geração mimeógrafo, agora descubro que temos tecnologia suficientes para fazermos coisas bonitas e legais. A minha ideia não é só reeditar livros, a minha experiência com o livros da história das Rocas, eu tinha uma dívida com aquele lugar que me ensinou a ser o que eu sou hoje. Eu escrevi o livro chamado “Uma história das Rocas”, a primeira edição durou exatas duas semanas. Dois meses depois, fiz uma revisão e publicamos a segunda edição de 500 livros. Primeiro, eu não sabia que as pessoas tinham tanto interesse com essa história. Segundo, as pessoas de lá tinham interesse, e a multidão de gente que passou por lá e as pessoas nem sabem que possuem relação com o bairro. E histórias novas que foram surgindo entre a primeira e segunda edição do livro.

IHGRN: A coluna “Cena urbana” do jornalista Vicente Serejo refere ao lançamento de duas grandes obras já prontas para serem lançadas, uma de Veríssimo de Melo e outra de Inácio Magalhães. Qual foi o critério utilizado para a escolha?
Ciro Pedroza: Essa história de Zé Areia é um personagem que as Rocas não conhecem, então a reedição deste livro segue a mesma orientação de “Uma história das Rocas”, é para cidade dizer “esse cara é das Rocas”. Esse personagem pouca gente conhece, apenas ouve falar dele. Mas, era um cara que tinha elegância e não agredia as pessoas. Essa é uma característica das Rocas, a pessoa ouve, mas fica calado. O outro personagem, Inácio, é uma história que foi editada, na época, pela Nossa Editora. É tão rica de imagens, de histórias e de delírio. Eu não entendo de santo, mas aquela história que ele conta dos padroeiros que vão no trem, que chega um momento que a pessoa fala: “Nossa Senhora, venha no carruagem de fogo de Elias, porque a senhora não vai aguentar essa viagem de trem”, essa história é muito rica. Mistura literatura, artista de cinema, personagem de livro e pessoas da vida real para uma sagração que nunca existiu. Reeditar obras importantes como essas não é nem questão econômica, porque livro é prejuízo. É prazer emocional, é ver aquele material chegar nas mãos de pessoas que já ouviram falar, que na época a tiragem era pequena, que na época o sujeito não era vivo, quando pequeno viu na casa do pai e de repente o livro sumiu.