sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Professor e historiador Luciano Capistrano concede entrevista ao IHGRN

 
IHGRN: O que significa, para o senhor, ser sócio de uma instituição como o Instituto Histórico e Geográfico? 
Luciano Capistrano: Eu sou historiador, essa é minha profissão, é a profissão que me abraçou. Então ser sócio de uma instituição mais que centenária, uma instituição que tem entre outros objetivos, eu diria que o objetivo principal é a questão da memória e a questão da história. É sempre uma alegria e pra mim foi uma grande surpresa quando fui convidado para fazer parte como sócio efetivo dessa instituição, porque é o reconhecimento desse meu trabalho.

IHGRN: Em que você acredita que pode agregar pro Instituto com seus projetos de aulas e caminhadas no Centro Histórico de Natal?
Luciano Capistrano: Esse trabalho que eu que eu desenvolvo nas ruas e nas redes sociais é no sentido de popularizar a ciência histórica, faço um trabalho que imagino que seja de popularização. É o que eu gosto de dizer, a educação patrimonial saindo da esfera do espaço convencional, que seria o espaço dos centros de ensino, mas indo para as ruas. E é nesse sentido que eu acho que a gente consegue dialogar com a população,com a comunidade, com a comunidade em diversas camadas. Ao fazer história nas ruas, nós não estamos fazendo ensino de história para uma camada especializada em história, mas nós estamos fazendo história para as camadas mais diversas da população. Então acho que nesse sentido, popularizando com fundamentos na ciência histórica, popularizando o ensino da história, nós temos contribuído para o fortalecimento da história enquanto ciência e da história, um lugar de saber sobre as memórias e sobre a formação da da sociedade, da cidade, do estado e da identidade das pessoas.

IHGRN: O senhor acredita que existe uma deficiência no ensino desse valor do patrimônio histórico? 
Luciano Capistrano: Eu diria que ao longo do tempo nós temos conseguido avançar muito. É na formação da identidade e na formação a partir do ensino de história. Mas, uma questão que eu acho que é importante pensarmos, a história enquanto ensino de história local. Ao longo do tempo nós tivemos uma história que foi contada para todos nós como uma história única. Então é aquela história, o Brasil passa por ciclos, você tem o da cana-de-açúcar, o ouro, o café e etc. A partir disso, você tem os grandes centros como se esses grandes centros eles dissessem a história de todo o país, é como se a história local, ela não fizesse parte desse processo. Então acho que é nesse sentido também que eu penso essa história local e eu penso a educação patrimonial nessa perspectiva. Então ao olhar uma praça, ao olhar um um rio, ao olhar o nome que é dado a uma rua da cidade, ao olhar uma um conjunto habitacional, temos condições de falar sobre história, falar dentro desse processo de formação, que não é um processo de formação única. Então é nesse sentido que eu acho que a gente precisa cada vez mais ocupar esses espaços e trazer para a sala de aula ou para as ruas essa ideia de que a história não é um um caminho de mão única. E que a história não se faz apenas num grande centro econômico ou político de um país, de uma cidade, de um estado. A história está ali, pode estar no Palácio Felipe Camarão, mas ela também pode estar na feira de Nova Natal. É nesse sentido que eu acho que a gente traz essa contribuição, pensando no ensino histórico dessa maneira.

IHGRN: Fale um pouco de como surgiu a ideia de criar a página Natal Nostálgica. 
Luciano Capistrano: A página Natal Mostálgica foi uma das coisas da minha vida que são assim muito de encontro, encontros felizes. Eu já tinha uma uma página chamada “Gestor do Centro Histórico de Natal”, no Facebook. Eu administrava, e ao final de dois mil e dezenove, um amigo chamado Oliveira era o administrador da página “Natal Nostálgica” e por vários motivos de tempo na vida pessoal, me convidou e disse: “você tem o perfil e a cara da página”. É uma página que eu já acompanhava e já contribuía na página. 
A página tem como objetivo  ocupar o espaço das mídias sociais e porque eu já fazia um trabalho nas ruas. Há muito tempo eu faço que hoje eu chamo de “aulas de história nas ruas”, muito tempo eu ocupo as ruas da cidade e quando eu falo ocupar a rua das cidades, não é só o roteiro mais tradicional que é cidade alta ribeira, mas desde do alecrim, passando por cidade nova. Então a gente já faz esse trabalho há bastante tempo, falando sobre a história da cidade, e com essa chegada de forma mais efetiva nas redes sociais, eu comecei a pensar um projeto de forma mais definida. Com um diálogo com a professora do Departamento de História, surgiu a ideia de organizar isso que eu já fazia a partir de um projeto “Das ruas às redes”, o nome já indica, é o trabalho que faço nas ruas e nas redes sociais. É aquilo que alguns historiadores chamam de “história pública”, isso que eu tento fazer.

IHGRN: Como sua paixão pela fotografia se relaciona com suas outras habilidades?
Luciano Capistrano: A fotografia nos ensina a ver o mundo, a sensibilidade. A fotografia chega na minha vida no momento difícil que eu estava passando, não tenho nenhum problema em dizer isso, era um momento de dificuldade, eu estava depressivo e a fotografia chega. A minha esposa tinha ganhado de presente do meu sogro uma máquina fotográfica e ela me entrega e pede para eu sair de casa para fotografar e ver o mundo. Quando eu ando e começo a fazer os cliques, começo a fotografar, eu começo a trazer para fotografia essa minha formação de historiador e de professor. Acho que isso ajudou muito a contribuir com esse diálogo entre a história e a fotografia, me ajuda a ver melhor a cidade e ver o poder dentro dessa localidade, como é que essa cidade ela forma identidades e tenta compreender a formação dos conflitos que existe na formação da identidade do natalense. A fotografia é uma paixão hoje eu não me vejo sem fotografia, não me vejo saindo sem fazer uns cliques, seja de ônibus ou seja a pé, mas é um olhar diferente da cidade, seja na feira de Nova Natal ou seja o Forte do Reis Magos. É muito bom pensar que nessa situação há um interesse nas pessoas, percebemos isso nas redes sociais há uma sede por imagens. Isso é uma coisa da nossa cultura, quando tem um texto, tem fotografia, isso contribui para esse diálogo que nós queremos fazer com a população com quem está lá acessando as redes sociais. 

IHGRN: O que lhe motivou a escrever o livro “1964: Para não esquecer”?
Luciano Capistrano: O livro “1964: Para não esquecer”, tem uma uma história que remete à minha história familiar e a um acontecimento de 2017. A minha história familiar é a seguinte: o meu pai em 1964 era funcionário dos Correios, papai era do Partido Comunista daqui de Natal. Em 1964, após o golpe civil-militar, ele é perseguido e demitido dos Correios. A partir daí ele começa a responder uma série de inquéritos militares aqui em Natal e em Recife. Então eu cresci nesse universo, vendo papai de vez em quando sumir, sem entender porque ele tinha sumido e observar mamãe preocupada com as nossas atitudes e principalmente com qualquer envolvimento que nós tivéssemos do ponto de vista político, porque ela tinha medo, já que papai havia sido perseguido pelas suas ações, sua militância. Esse tema faz parte da minha vida, eu acho que o historiador não tem como fugir da sua formação, a constituição enquanto pessoa. Esse foi o tema que eu trabalhei com o meu no final do curso de história da graduação, o golpe militar no Rio Grande do Norte, os norte-rio-grandenses mortos e desaparecidos políticos. O trabalho, inclusive, rendeu um livro editado pelo Sebo Vermelho em 2010. Então, em 2010, eu lancei um livro com esse mesmo tema. “1964: Para não esquecer”, é um livro recente que eu lancei 2023, ele nasceu de uma aula de rua, uma dessas aulas de história aqui próximo do IHGRN, na praça André de Albuquerque, o ano era 2017, eu estava com a turma de ensino médio, na praça que não tem como você não fazer uma referência ao prefeito Djalma Maranhão, por vários motivos. Um deles é porque na praça tinha uma galeria que foi construída em 1963, uma galeria de arte, então estava relatando esse fato quando um professor que acompanhava essa escola, diz que o prefeito Djalma Maranhão tinha uma casa na rua das Quintas, na época do golpe militar, em 64, essa casa das quintas era uma residência onde tinha um arsenal de armas de munição, chamaram de terrorista comunista. Isso é que nós chamamos de fake news, em 2017, estava aquela situação, eu tive que intervir na fala do professor e dizer para os alunos que estavam ali e para o professor que aquilo era uma mentira, o professor falava baseado sem documentos e fatos, foi quando ele disse que era um primo dele que tinha servido no exército em 64 que tinha um sargento que contava para ele essa história. Então eu vi a necessidade de trazer para as minhas aulas e para a população esse tema, até porque agora na história recente do Brasil tivemos o movimento da volta do golpe militar, o pessoal acampando em frente aos quartéis, era com os celulares ligados à noite pedindo que um extraterrestre chegasse e fizesse uma intervenção militar. Assim, há uma necessidade de trazer para o espaço público uma discussão que seja uma discussão fundamentada na ciência histórica. O livro nasceu com esse objetivo de contribuir com o debate qualificado. Em 64 foi um golpe civil militar, queimaram livros, prenderam pessoas, torturaram pessoas, não é à toa que o livro nasceu com esse objetivo, que é o que eu faço. Educação patrimonial, história da cidade de Natal, nas ruas popularizando a ciência histórica sem cair naquilo que eu diria que é a mentira, as fake news, a falácia, tudo baseado na ciência histórica. Então vamos fazer ciência histórica, mas vamos fazer ciência histórica, sem o ranço da linguagem acadêmica, mas vamos trazer essa ciência histórica para que o feirante de Nova Natal possa entender e o estudante de pós-graduação de qualquer curso possa consumir. 

IHGRN: Quais os desafios de ser um professor de história dos dias atuais?
Luciano Capistrano: O primeiro desafio atualmente é de você contribuir para uma uma só consciência histórica enfrentando, inclusive, ataques a nós professores de história e eu me incluo. Nos últimos seis, sete anos fomos muito atacados por falarmos sobre história, aquela ideia da Escola Sem Partido e tantos outros movimentos parecidos surgem e insurgem contra o professor de história, contra professor de sociologia, contra os professores de humanas. Então acho que o nosso grande desafio é isso, claro, tem outros desafios que a gente poderia colocar, o nosso desafio é encantar, digamos assim, encantar os nossos alunos a gostarem da nossa disciplina, gostarem da ciência histórica, encantar sem ser vulgar, sem ser, sem fugir dessa verdade histórica ou dessa ciência histórica. O desafio é esse numa sociedade que uma que consome informações de diversas maneiras, é por isso que é importante, por exemplo, o trabalho de ocupar os espaços das mídias sociais, porque você ocupa esses espaços ou outros atores vão ocupar esses espaços e alguns deles vão ocupar sem ter a base da ciência histórica, o que é prejudicial para a formação dos nossos jovens.