quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Entrevista com Gustavo Sobral

Imagem: Gustavo Sobral

    Leia na íntegra a entrevista concedida por Gustavo Sobral, em outubro de 2019, sobre a Biblioteca, Arquivo e Museu do IHGRN no tempo em que foi diretor. O entrevistador é o hoje mestre Igor Oliveira pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Informação da Universidade Federal da Paraíba. A entrevista foi parte do trabalho de pesquisa de Oliveira.

Entrevista com Gustavo Sobral

Igor Oliveira: Quais são as atividades desenvolvidas pelo diretor de Biblioteca, Arquivo e Museu?
Gustavo Sobral: As competências atribuídas ao diretor estão especificadas no Estatuto da instituição. Aparecem pela primeira vez no estatuto de 1925 e, acredito, sem grandes alterações no seu propósito no último estatuto, aprovado em 2018 e, atualmente (2019), em vigência, quais sejam (transcrição do artigo):
Art. 27. Ao Diretor da Biblioteca Arquivo e Museu, compete:
a) organizar e sistematizar a biblioteca, o arquivo e o museu do Instituto, de forma a manter a sua conservação e permitir o seu uso pelos interessados sem riscos para o acervo;
b) fiscalizar o seu regular funcionamento, adotando normas para o ingresso de pessoas ao acervo do Instituto;
c) criar, para auxiliarem no funcionamento da biblioteca, do arquivo e do museu, as Coordenadorias necessárias para o seu melhor funcionamento, a serem ocupadas por pessoas especializadas nos respectivos assuntos;
d) manter pessoal especializado para dar suporte ao cumprimento da missão de organização da biblioteca, acervo documental e museu;
e) editar normas regimentais para a funcionalidade do acesso ao acervo da Biblioteca, Arquivo e do Museu e dos demais bens sob sua responsabilidade;
f) cumprir outras determinações que lhe forem delegadas pelo Presidente.

Quais são as especificidades de cada uma dessas três segmentações?
O estatuto, que é o documento fundante e norteador dos objetivos e propósitos da instituição, estabelece esta configuração para divisão do acervo: biblioteca, arquivo e museu. Então, cabe ao museu concentrar as peças museológicas; ao arquivo, os documentos históricos; e à biblioteca, os livros, catálogos, etc.

Tendo em vista que os documentos do arquivo são únicos e devem ser preservados, como proporcionar o acesso aos usuários?
As instituições que detêm arquivos e documentos têm discutido a melhor forma de acesso, sem que se prejudique o documento e, ao mesmo tempo, sem que haja prejuízo ao usuário no acesso à informação.
Visitei algumas instituições do gênero no Brasil, especificamente em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, e o que observei é que cada instituição escolhe os seus protocolos.
O Museu da Cidade do Recife, por exemplo, no Forte das Cinco Pontas, permite a consulta ao documento na versão digital e se faz necessário que o usuário preencha um ficha ou questionário, apresentando seus dados, o seu interesse de pesquisa, o material a ser pesquisado, etc., é uma forma de proteger o documento e permitir o acesso de forma responsável e direcionada.

Quanto ao acervo bibliográfico, há alguma comissão de formação e desenvolvimento de coleções, quais critérios para inserir ou descartar obras do acervo?
Hoje, não sou mais diretor, no entanto, durante a minha gestão, enquanto organizávamos o acervo, também tínhamos a missão de criar os protocolos de trabalho, distribuir e determinar as competências e funções da diretoria, capacitar o pessoal, formar massa crítica.
A partir de um grupo de discussão e reflexão acerca das atividades desempenhadas, institui um grupo de estudos entre os colaboradores da diretoria de Biblioteca, Arquivo e Museu; conduzi a produção de trabalhos escritos como resenhas e até de pesquisa bibliográfica e produção de um livro, resultado de uma pesquisa sobre os institutos do Brasil; produzimos as atas de reunião e os relatórios da diretoria, importantes para fixar as práticas institucionais, etc., e dentro deste processo de construção e aprendizagem criamos uma política para o acervo.
Trabalho em conjunto entre os bibliotecários, o diretor e o diretor adjunto para nortear as ações da Biblioteca, Arquivo e Museu.
O documento é público e foi publicado na edição da revista da instituição de número 97, ano 2018, p.85-90. Nele, após debate, pesquisa, reflexão, e cientes das condições de trabalho que tínhamos e das dificuldades que instituições sem recursos humanos e financeiros enfrentam, instituímos as diretrizes para aquisição e descarte, entre outras providências atinentes ao acervo bibliográfico. Lá estão todos os critérios.

Quais as exposições do museu e como a instituição consegue dinamizá-lo no combate a ideia de que o museu é um espaço para guarda de coisas antigas?
Posso recuperar o projeto que instituí para o museu durante a minha gestão.
Assim que assumi a diretoria de Biblioteca, Arquivo e Museu, foi preciso recompor o museu cujas peças, a maioria sem identificação ou acondicionamento adequado, estavam abrigadas no edifício anexo (as peças ainda carecem de catalogação e, muitas delas, precisam de restauro por profissional capacitado, a falta de recursos financeiros é um desafio para manutenção de qualquer acervo).
O primeiro passo foi o traslado das peças e uma tentativa de recuperação da organização anterior. Depois procedemos com a identificação das peças e a reorganização do museu para que tão logo pudéssemos franquear à visita, tendo em vista que a instituição vinha desde 2016 a portas fechadas.
Foi providencial a elaboração de um livro-catálogo (“Catálogo de monumentos, relíquias, obras de arte, personagens e livros do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte”, 2017) para colaborar com a divulgação do museu e de suas peças e, ao mesmo tempo, servir de fonte de informação para os colaboradores e funcionários, jornalistas, professores, estudantes e visitantes, e promover a instituição e seu acervo.
E não só isso, criamos as redes sociais oficiais, facebook e instagram, para promover uma maior aproximação com o público, divulgar o acervo e as atividades.  
Além disso, tivemos a oportunidade de elaborar um site, que desenhei em conjunto com programador, redigindo todos os textos, fornecendo todo o material, e desenhando uma página simples e usual, na qual incluímos uma seção para as publicações da instituição e uma página repositório para disponibilizar o material já digitalizado do acervo. Neste espaço digital, mostramos um pouco do museu, apresentando algumas peças.
E, então, tomando por base o cenário de outras instituições e para promover a atenção da imprensa e dos visitantes, institui as exposições temporárias, a exemplo do que praticam todos os museus do mundo.
Creio que todas estas ações, reordenação do espaço museológico, identificação das peças, presença nas redes sociais, elaboração do catálogo, exposições temporárias e contato permanente com a imprensa para divulgação das atividades realizadas no museu, procuraram transformar a relação museu-visitante.

Quais os principais desafios para o setor de Biblioteca, Arquivo e Museu atualmente?
Não posso responder sobre a atualidade, tendo em vista não estar mais na direção da Biblioteca, Arquivo e Museu da instituição, no entanto, acredito que os desafios e as dificuldades são os mesmos e comuns a todos os institutos e instituições congêneres.
O livro que publicamos (Institutos Históricos do Brasil, IHGRN, 2019) acerca dos institutos do Brasil apresenta o quadro, e outras instituições no Brasil, voltadas para guarda e conservação de acervos, sobretudo no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, que são os cenários que acompanho, em sua grande maioria, enfrentam os mesmos percalços.
Outros não são, para listar alguns, e de forma geral, que a insuficiência de recursos financeiros e humanos; falta de material de trabalho e condições adequadas para guarda do acervo; ausência de uma política institucional definida para o acervo; modelos de gestão arcaicos e, muitas das vezes, dirigentes despreparados no comando; falta de interesse e de políticas públicas para o setor e, sobretudo, da sociedade pela preservação e conservação da sua memória.

Igor Oliveira é graduado em História e Biblioteconomia, mestre em Ciências da Informação e atualmente é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI/UFPB). Foi estagiário do IHGRN no período de agosto de 2017 a abril de 2018, participou do processo de organização do acervo, escreveu trabalhos para Revista IHGRN e é um dos autores do livro Institutos Históricos e Geográficos do Brasil.  Esta entrevista foi parte da coleta de dados utilizada no seu trabalho de mestrado. Igor Oliveira buscou estudar como acontece as práticas custodiais de preservação, organização e disseminação da memória nacional, que viabilizam o acesso e efetivo uso das informações contidas nos registros documentais existentes sob a guarda da instituição. O resultado foi dissertação defendida em 2020 e aponta que apesar da necessidade de implementação de políticas públicas voltadas para práticas pós-custodiais de acesso e uso da informação, o IHGRN tem atuado de forma constante em prol da preservação da memória do estado potiguar.

O Instituto

    O Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande, fundado em 1902, é a mais antiga instituição cultural do Estado. Abriga a biblioteca, o arquivo e o museu mais longevos em atividade no solo potiguar. Promove exposições, palestras e atividades voltadas à manutenção e divulgação da cultura, história e geografia norte-rio-grandense e publica a sua revista desde 1903, sendo a mais antiga ainda em circulação no Estado.