quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Entrevista com Pedro Simões

Imagem: cedida

    Leia na íntegra a entrevista concedida por Pedro Simões a Gustavo Sobral e Marcela Bulhões, sobre a Biblioteca, Arquivo e Museu do IHGRN. Na conversa, Pedro fala sobre suas funções como coordenador das atividades do setor, desafios da função e dificuldades. Ele também detalha as condições do acervo da instituição, o trabalho de reestruturação e organização desempenhado pelo setor que não cessou, inclusive na pandemia.

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Entrevista com Pedro Simões
Coordenador das atividades de Biblioteca, Arquivo e Museu 

    Pedro Simões é bacharel em ciência política pela UNINTER e tecnólogo em análise e desenvolvimento de sistemas. Especialista em educação, transitou pelas áreas de ensino, pesquisa e extensão, como bolsista e monitor. Em 2017, atuava como analista na Subsecretaria de Tecnologia e Comunicação (SETIC) da Prefeitura Municipal de São Gonçalo/RN, quando começou a prestar serviços voluntários para o IHGRN na área de informática. Ao deixar a SETIC em 2018, passou a se dedicar inteiramente ao Instituto em diversas áreas e setores da instituição. Hoje, Pedro Simões é coordenador das atividades de Biblioteca, Arquivo e Museu. A entrevista foi concedida a Gustavo Sobral e Marcela Bulhões.
   
Quando assumiu a coordenação de Biblioteca, Arquivo e Museu do Instituto?
Em maio de 2018, a Assembleia Legislativa destinou recursos para a reestruturação e organização dos acervos, o então diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu, Gustavo Sobral, me indicou para criar e coordenar o setor de Tecnologia da Informação (TI) da instituição, já que o projeto previa a digitalização de alguns materiais, porém, antes da contratação, por motivos pessoais, Gustavo Sobral pediu um afastamento do cargo e me indicou para ser o coordenador geral do projeto, por ter trabalhado em conjunto com ele e ter um maior conhecimento das principais áreas que o projeto iria envolver. Nessa função, fiquei até 20 de novembro de 2020, quando voltei a ser voluntário. Nesse meio tempo, criei uma microempresa focada em assessoria e consultoria e tenho trabalhado na área administrativa de uma empresa de arte. Desde o dia 29 de julho deste ano (2021), me tornei sócio efetivo e tenho mantido a realização dos trabalhos que comecei desde 2018 na TI, Biblioteca, Arquivo e Museu. 

É possível precisar qual acervo do instituto hoje em quantidade de livros, documentos e peças museológicas?
Infelizmente, não. Em entrevista à UFRN, em meados de 2005, o ex-presidente Enélio Lima Petrovich disse que o IHGRN possuía cerca de 50 mil itens entre os três setores: Biblioteca, Arquivo e Museu (os quais irei me referir agora, como BAM, por ser como utilizamos internamente). Tal dado foi declarado com base em uma pesquisa realizada na época. Porém, o Instituto não possuía espaço e não tinha nenhuma organização, então a pesquisa foi baseada nos itens que os pesquisadores conseguiram ter acesso. Durante os projetos (Termo de Referência Nº 01/2017 – ALRN, seguido do Termo de Referência Nº 01/2018 - ALRN) nos encontramos em uma situação atípica na qual, utilizando inferência, chegamos à conclusão que a BAM possuía mais de 120 mil itens, mais que o dobro do previsto, não tendo sido possível concluir o objetivo do projeto. O que posso dizer, com certeza, é que nossa biblioteca possui mais de 10 mil obras; e o museu, mais de mil itens. Quanto ao arquivo, ainda nos é uma verdadeira incógnita. 

Qual a importância deste acervo?
O acervo possui itens que datam de 1600, ou seja, são itens que correspondem aos três grandes períodos do Brasil: colônia, império e república. E estes itens são, em sua maioria, inerentes ao Rio Grande do Norte. Não é errado dizer que a história do Estado está em nosso acervo e que o conhecimento disseminado no universo acadêmico sobre o nosso Estado vem da instituição. Temos 3 livros principais sobre a história do RN, dois foram de sócios do Instituto: Tavares de Lyra e Câmara Cascudo. E o de Rocha Pombo, baseado em grande parte em informações prestadas por sócios do IHGRN e informações colhidas em outras instituições, porém, que estavam lá nas outras instituições, mas eram em sua origem, e em sua maioria, cópias do acervo do instituto remetidas pelos sócios locais. Por exemplo, alguns itens que constam hoje no Arquivo Nacional chegaram lá, em 1910, por obra do fundador do IHGRN, Vicente Simões Pereira de Lemos, comissionado para analisar, transcrever e enviar arquivos relativos ao Estado para o Arquivo Nacional. O primeiro curso de história criado no Estado foi feito com a ajuda de nossos sócios. Os trabalhos e livros mais recentes, relativos especialmente à nossa história, necessitam apenas que se olhe as referências, se não tiver algo relativo ao nosso acervo ou aos nossos sócios (que se utilizaram de nosso acervo), são de obras baseadas neles. Qual a importância deste acervo? Total.

Como este acervo está armazenado e acondicionado?
Em um período anterior à minha chegada ao IHGRN, a então secretária estadual de educação, professora Betania Leite Ramalho, realizou, pela secretaria, a doação de estantes deslizantes de aço ao Instituto, onde hoje está a maioria de nosso acervo bibliográfico e arquivístico. O acervo museológico está em sua maioria exposto em nosso museu, o restante deste acervo está aguardando a devida catalogação para ser exposto ou preservado em um local específico. Quanto ao acondicionamento, todos os livros e peças museológicas estão bem acondicionados. Porém, quando começamos a organizar o arquivo, percebemos que muitos documentos foram colocados indevidamente em caixas-arquivo, danificando parte deles. Enquanto classificamos os documentos, providenciamos a sua alocação em caixas específicas para o tamanho do material e com uma maior proteção da variação de temperatura que as caixas-arquivo. Além disso, foram acondicionados na horizontal e não mais na vertical (que era como estavam nas caixas-arquivo), o que evitará dano ao material.

É sabido que o acervo está em processo de organização. Em que consiste este processo de organização e quais os critérios utilizados?
Basicamente, nos três acervos juntamos tudo o que havia, os classificamos, higienizamos e, por fim, catalogamos e armazenamos destinando a sua guarda no acervo de acordo com sua tipologia ou com regras pré-estabelecidas, como a Classificação Decimal Universal (CDU) que utilizamos para organizar nosso acervo bibliográfico pelas áreas temáticas descritas no documento.

Quanto ao acervo bibliográfico, há alguma comissão de formação e desenvolvimento de coleções, quais critérios para inserir ou descartar obras do acervo?
Atualmente, não existe tal comissão. O que há é uma política de Formação e Desenvolvimento de Coleções criada por Gustavo Sobral, André Felipe Pignataro Furtado de Mendonça e Menezes, Igor Silva e Cristiane França, que está disposta na Revista do IHGRN #97, que deverá ser reestruturada de acordo com o visto e decidido durante a execução dos projetos e discutida com a Diretoria nos últimos anos. 
O que há atualmente é a Comissão de Desbaste e Descarte. O que está decidido é que ficarão no acervo obras raras, independente do assunto, obras de referência, ciências sociais, ciências naturais e história, além de bibliotecas pessoais de personalidades, obras de potiguares, sócios e patronos. O desbaste ocorre em obras que não estejam dentro dos critérios anteriores, sendo repassado para a Comissão de Desbaste e Descarte que verificará a relevância para o acervo e dará o parecer favorável ou contrário ao seu descarte, sendo favorável, a obra irá ser colocada ao material de doação; sendo contrária, a obra irá ser inserida no acervo. 

Qual o trabalho que já foi realizado e se pode considerar concluído?
Nenhum trabalho se encontra concluído. Não foi possível concluir o projeto que visava a reestruturação e organização do acervo por termos encontrado uma realidade de material que era maior que o dobro da prevista. O que posso afirmar é que o museu é o setor mais avançado e próximo de ser concluído, restando concluir a catalogação das peças que o compõem e realizar a preservação ou restauração de algumas peças. A biblioteca é o segundo setor mais avançado e próximo de ser concluído, restando apenas fazer a catalogação no software de gestão de acervo que utilizamos, o SIABI, o qual estando pronto, os interessados poderão verificar as obras que constam em nosso acervo pelo nosso site, além de necessitarmos arranjar recursos para a compra do material necessário para a higienização, preservação e restauração de cerca de 2 mil obras. Por fim, temos o arquivo, que tínhamos começado a classificar, porém não chegamos sequer a classificar 30% dele, sendo o setor com menor evolução. 

Quais as próximas etapas?
Na biblioteca, terminar a catalogação e tentar conseguir os recursos financeiros necessários para a compra do material para se restaurar os livros que necessitam de restauro. No museu, finalizar a catalogação e conferir o roteiro de visitação, o modificando, se e quando necessário, para tornar a visita fluída. Além de conferir um sentido à disposição das peças, senão não estaremos lidando com um museu e, sim, com um depósito. E no arquivo, terminar a classificação, catalogar, identificar os materiais que precisam de algum processo interventivo, como preservação ou restauração e realiza-las. E, no caso do acervo bibliográfico e arquivístico, digitalizar o que for possível, de acordo com as leis vigentes.

Qual a equipe hoje em trabalho na BAM e que atividades desenvolve?
Atualmente, os treze funcionários antes cedidos pela Fundação José Augusto (FJA) se encontram aposentados e a Fundação não dispõe de funcionários para ceder ao IHGRN, tendo em vista que não há concurso há anos para a renovação de pessoal e o governo do Estado já comunicou que não há possibilidade próxima de ocorrer por questões orçamentárias. E, como, supostamente, os recursos financeiros de todas as esferas estão sendo despendidos para o combate à pandemia, não há nenhum projeto para a continuidade da reestruturação e organização dos acervos, visando a contratação de profissionais para essa finalidade. Logo, o que temos hoje são verdadeiros abnegados que trabalham de forma voluntária, são eles: Franklin Diego Felipe de Lima, Kate Coutinho de Jesus, Marcus Victor Siqueira Josuá Gomes (que atualmente está afastando tratando de questões pessoais), Maria Lopes Ricardo Simões, Matheus Silva Rodrigues Pereira, Nadeje Soares da Silva e Weverton Pablo Vieira do Nascimento. 

Quais as principais dificuldades para a realização deste trabalho?
As mais diversas que se possa imaginar. Até os que parecem não ter nenhuma relação. Porém, o principal é a falta de recurso financeiro. E o segundo maior é o desconhecimento da realidade do IHGRN pela população, pesquisadores e pelos próprios sócios. 
Sem a população saber o valor do Instituto, não temos o apoio popular e, consequentemente, perdemos muito: doações financeiras e de peças para nosso acervo, possíveis conexões com pessoas trabalhadoras e de caráter, que valem muitas vezes mais que pessoas renomadas, e que nada fazem pela instituição, mas principalmente, perdemos nossa principal função: disseminar o conhecimento de nossa história e cultura, tão abalados pela perda da nossa identidade cultural. 
Sem os pesquisadores, não temos novas pesquisas e, por consequência, uma nova produção de informações e conhecimento, mas estes, nesses últimos anos, em sua maioria, só entram em contato ou vem até aqui para pedir que façamos a pesquisa por eles, para tentar se utilizar do acervo ou para criticar. Nenhum se propôs a trabalhar conosco para finalizar a organização de forma mais célere. Consideram sua pesquisa mais importante que a história e o bem comum. Preferem que paremos de organizar tudo para que todos possam usufruir do acervo, para que procuremos apenas o que desejam. São raras as exceções.
Temos um exemplo maior, alguém com câncer no pulmão e no sangue, que não consegue respirar direito, especialmente de máscara, que muitas vezes para em parte do caminho e se encosta na parede pelo cansaço até recuperar o fôlego, para continuar a andar, mas que quase todos os dias está no Instituto de 7h às 11h, exceto quando a saúde não permite. 
Tavares de Lyra se referindo ao Instituto numa conversa com Vicente de Lemos, o verdadeiro fundador da instituição, disse: "(...) si cada um de seus associados lhe der individualmente e na medida de sua possibilidade o contingente de sua boa vontade.". E obteve a seguinte resposta de Lemos, descrente com a afirmação dele: "Muitos prometerão e raríssimos cumprirão a promessa".
Eu mesmo, enquanto voluntário, tive de ficar na recepção por diversas vezes; já tive de servir água e café; fazer ofício para enviar a algum órgão por pedido da Diretoria; buscar material requisitado pela Diretoria no anexo ou na sede; carregar móvel de um prédio para o outro; escrever relatórios que cabiam a gerente de projetos; montar mesa, estante, tenda; vender material em pleno sábado por causa de eventos nos arredores, na tentativa de arrecadar dinheiro; fotografar, gravar e organizar eventos; e por aí vai. 
Faria tudo de novo, porque amo o Instituto, entendo seus problemas, sua importância e o que representa, além do que virá a ser no futuro, quando forem concluídos os trabalhos em todos seus setores. Mas tudo isso que descrevi torna clara a falta de pessoal, que não se tem por falta de recursos financeiros ou pela não importância dos diversos setores da sociedade, para quem conhece, ama e se importa com os "papéis velhos", existe trabalho de sobra no IHGRN. 
Então qual é, afinal, a possível desculpa que se possa dar acerca do desconhecimento da situação da instituição ou a falta de colaboração?

Quais os principais desafios para o setor de Biblioteca, Arquivo e Museu atualmente?
Atualmente o único desafio é o financeiro. Com dinheiro, praticamente poderíamos estar, em alguns anos, no mesmo nível de prestação de serviço da Fundação Biblioteca Nacional. Obviamente, quando falo de dinheiro, é uma quantidade razoável, estável e de forma contínua e permanente.

O Instituto - 120 anos
Fundado em 1902, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande completará 120 anos em 2022. É a mais antiga instituição cultural potiguar. Abriga a biblioteca, o arquivo e o museu mais longevos em atividade do Estado. Promove exposições, palestras e atividades voltadas à manutenção e divulgação da cultura, história e geografia norte-rio-grandense, e publica a sua revista desde 1903, sendo a mais antiga em circulação no Rio Grande do Norte.