Dois homens, apaixonados por sua terra comum, sonharam a realização da obra “História da cidade do Natal”: Sylvio Piza Pedroza e Luís da Câmara Cascudo.
Sylvio, então Prefeito de Natal, trabalhava em prol da modernização da cidade, já Cascudo, tinha a atenção voltada à preservação de uma memória coletiva. Surgida a partir de uma encomenda do então prefeito, a obra já vinha sendo lentamente construída através de inúmeros artigos que Cascudo publicava, desde 1918, nos jornais A Imprensa e, posteriormente, A República.
Neles, o seu olhar de repórter se lançava sobre a cidade e múltiplos temas lhe despertavam o interesse: o novo plano da cidade (o “Máster Plan”), a arborização, os literatos nascentes, os problemas sociais e estruturais, o papel das instituições culturais, a organização política, e, principalmente, o povo e seus costumes. Através destes artigos, o autor traçava, com precisão, o retrato de sua cidade, e o registro da sua história começava a ser esboçado.
Nesta escrita, o autor adota uma postura de “historiador do cotidiano”, com ênfase não somente nos fatos históricos oficiais, que são considerados dignos de nota, mas no dia a dia do povo, nos personagens anônimos e nos pequenos acontecimentos fortuitos da cidade, que, de outra forma, seriam esquecidos no Tempo.
Para Cascudo, “uma História da Cidade do Natal registrará o essencial, o característico e a constante sociológica teimosamente sobrevivente”. Ele assume, intencionalmente, um papel similar ao “Alvissareiro da Torre da Matriz”, referência a João Irineu de Vasconcelos, que, a partir de 1862, construída a torre da Igreja Matriz na Praça André de Albuquerque, e chantado um mastro no topo, olhava a cidade, morros, praias, rio e mar, erguendo bandeiras sempre que avistava navios e espalhando as notícias, alegres ou tristes.
A obra, publicada originalmente em 1947, segue uma cronologia histórica, iniciando com a colonização, a fundação e os nomes da cidade, sem esquecer a invasão holandesa, a guerra dos cariris, as revoluções, a abolição e a república, bem como o desenvolvimento e a evolução da cidade, com a criação de novos bairros e a chegada do “progresso”, trazendo benefícios e prejuízos inevitáveis.
Entretanto, sua visão de historiador do cotidiano, o conduz a análises sociológicas, antropológicas, etnográficas, políticas e culturais que aparecem nitidamente nos capítulos “A sociedade e os costumes”, “Terra e gente”, “Festas populares”, “Teatro”, “Divertimentos”, “Imprensa política”, “Musa, canta os poetas e escritores...”, entre outros.
Nenhum aspecto é esquecido, nem considerado irrelevante pelo autor, cuja análise acurada estende-se a temas múltiplos. Por toda a extensão da obra, é impossível não constatar o profundo amor que o autor devota à sua terra natal e a identificação íntima que mantém com ela. Para Cascudo, “o homem é a cidade em que nasce”.
Para, de certa forma sacramentar esta relação tão estreita, no dia 25 de dezembro de 1948, data do 349º. aniversário da cidade, Cascudo recebeu, das mãos do Prefeito Sylvio Pedroza o título de “Historiador da Cidade do Natal”, impresso em pergaminho e acompanhado de uma miniatura da chave da cidade, em ouro. Simbolismo amoroso e motivo de orgulho maior para aquele “provinciano incurável” que afirmava, com convicção, “nunca pensei em deixar minha terra”.
Artigo: Daliana Cascudo
Imagem: Maria Simões