segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Raimundo Nonato da Silva

 
Raimundo Nonato da Silva

    Pensei que descobrira algo diferente, até mesmo estranho, acerca de Raimundo Nonato da Silva. Dizia respeito a sua ubiquidade. Ou predestinação. Deveria ter me precavido contra esse ataque de arrogância pueril e consultado meu Cascudo. Não o fiz, e tropecei logo nos primeiros passos. Ali estava, em uma Acta Diurna, no livro cujo título é Raimundo Nonato, o Homem e o Memorialista, organizado por José Augusto Rodrigues e publicado em 1987, pela Coleção Mossoroense, para o qual contribuiu a fina flor dos escritores norte-rio-grandenses em homenagem aos 80 anos do grande escritor Martinense: 
    “Vida movimentada e curiosa. Está em São Miguel de Pau dos Ferros, 1927/28. (...) 1929/30 está em Serra Negra, até a Revolução de outubro, com a invasão dos bandos que exigem comida, bravateando. (...) Finalmente transferem-no para Mossoró, em 1931. Apodi, um ano depois.” 
    Eis a ubiquidade de Raimundo Nonato, flagrada e descrita por Câmara Cascudo: Raimundo em São Miguel, e logo depois escreveu Os Revoltosos em São Miguel 1926; Raimundo em Serra Negra do Norte, e logo depois escreveu A Revolução de 30 em Serra Negra; Raimundo em Mossoró e, logo a seguir, veio Lampião em Mossoró, o primeiro livro escrito por um potiguar acerca do Cangaço. 
    Raimundo Nonato é um portento, eis o que se extrai do que se lê nos textos dos que lhe homenagearam. Memorialista, romancista, poeta, historiador, cronista, biógrafo, etnógrafo, jornalista... Em sua lendária produção literária, contam-se mais de oitenta livros, mas esse é um número duvidoso: somente pela Coleção Mossoroense, foram mais de 30, prego batido, ponta virada. 
    Estava em todos os cantos, no momento certo, e escreveu acerca de muitos temas, como se percebe em Histórias de Lobisomem (folclore); O Pilão (etnografia); Bacharéis de Olinda e Recife (história); Quarteirão da Fome (romance); Memórias de um Retirante (memórias); Província Literária (crônicas); Jornalista Martins de Vasconcelos (biografia); Lampião em Mossoró (cangaçologia); Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro Romântico, este um livro canônico, referencial, e por aí vai, sem levar em conta os artigos, perfis, discursos, conferências e outros textos publicados em livros e revistas, enquanto participação, bem como jornais do Brasil adentro e afora.
    Repita-se, e acrescente-se, para que não reste dúvida: Raimundo Nonato foi o primeiro escritor, salvo algum equívoco, norte-rio-grandense a escrever livros acerca do Cangaço (Lampião em Mossoró), Coluna Prestes no Rio Grande do Norte, Revolução de 30 no Estado, e o primeiro escritor a lançar uma biografia, por instigação de Cascudo, de Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes cangaceiros.
    Ubíquo, prolífico, atento, presença certa durante um longo tempo no meio intelectual potiguar, até mesmo brasileiro, integrante de tantas quantas instituições culturais houve, e fundador de tantas e quantas outras, Raimundo Nonato da Silva, apesar de tudo isso, marcha lentamente para aquele limbo terrível onde habitam os escritores que o tempo encaminha para a penumbra.
    Sobrevive, ainda, graças a leitores contumazes, pesquisadores renitentes que às vezes, por dever de ofício, outras vezes por curiosidade malsã, percorrem sebos em busca de um ou outro título citado em nota de rodapé.
    A obra de Raimundo Nonato da Silva, o menino pobre nascido na Serra da Conceição, sobrevivente a duros custos, amante dos livros, alguém que mais do que qualquer outro, excetuando Cascudo, foi uma testemunha do seu tempo, não merecia isso. 

Artigo: Honório de Medeiros
Imagem: Maria Simões